A inspiração fiscal que vem de São Paulo

Por Jon Gorey, August 2, 2025

Em São Paulo, encravado entre arranha-céus de escritórios, lojas de luxo e hotéis sofisticados do bairro Vila Olímpia, está um conjunto habitacional de interesse social com 272 unidades. Construído no local da antiga favela Coliseu, o edifício de condomínio residencial não é apenas um novo e mais seguro lar para centenas de famílias de baixa renda que viveram na ocupação informal por décadas, enfrentando incêndios, enchentes e ratos. Segundo os defensores, essa iniciativa prova que o investimento em um bairro não precisa causar o deslocamento de seus moradores e que é possível construir moradias populares mesmo nas áreas mais valorizadas de uma cidade.

Em março, o Lincoln Institute of Land Policy convidou um grupo diverso de pesquisadores e profissionais de diferentes países para participar de uma excursão de estudo de quatro dias junto a membros da sua equipe. Combinando aulas teóricas e visitas a campo, o estudo permitiu que os participantes conhecessem de perto esse exemplo bem conhecido de captura do valor da terra. Também conhecida como retorno do valor da terra, a captura do valor da terra diz respeito a um conjunto de políticas que permite à comunidade recuperar e reinvestir o aumento do valor da terra decorrente de investimentos públicos ou outras ações governamentais, como a construção de uma nova estação de transporte ou mudanças nas normas de zoneamento.

“Em São Paulo, temos pelo menos dois exemplos importantes de favelas que foram melhoradas em áreas em que o valor da terra é muito alto”, explica Paulo Sandroni, economista que desenvolveu o curso junto com a urbanista Camila Maleronka. “Nossa ideia foi explicar e apresentar às pessoas os instrumentos que utilizamos, primeiro, para capturar o incremento do valor da terra, e segundo, para manter as pessoas que viviam nas favelas no mesmo lugar em que estavam, mas agora em apartamentos muito bons”.

O processo funciona assim: a cidade escolhe uma área para receber alguma intervenção pública como parte de uma “Operação Urbana”. Incorporadores que desejam construir edificações maiores do que o permitido naquela zona podem comprar Certificados de Potencial Adicional de Construção, ou CEPACs, que são vendidos na bolsa de valores, o que significa que o setor privado acaba definindo seu preço. A receita gerada com esses leilões de CEPACs financia obras públicas e habitação social no mesmo bairro.

Mas o fato de ser possível capturar e reinvestir o aumento do valor da terra em habitação social não significa que isso aconteça automaticamente, especialmente em bairros de alto valor imobiliário. “A comunidade do Coliseu teve que lutar contra muitas adversidades e diversas forças de incorporadores e vizinhos que não queriam que eles permanecessem ali, incluindo algumas pessoas da própria administração”, diz Sandroni. “Mas as lideranças desse movimento disseram: ‘Temos o direito de estar aqui. A legislação nos deu as ferramentas para permanecermos aqui, e há recursos para construir esses prédios’. Foi um exemplo maravilhoso de desenvolvimento urbano inclusivo”.

Moradora do Coliseu com a chave da sua casa nova. Crédito: Marcelo Pereira/SECOM via Cidade de São Paulo.

As ferramentas de captura de valor em São Paulo já foram tema de muitos estudos de caso, mas ver os resultados de perto, no local, ajudou a dar vida ao conceito para muitos dos participantes, vindos de organizações como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), o Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BERD) e o Centre for Affordable Housing Finance in Africa, entre outros.

“Fiquei realmente impressionada com o que vi em São Paul”, disse Line Algoed, antropóloga urbana da Vrije Universiteit Brussel. “Eu conhecia o conceito de captura do valor da terra, mas nunca tinha visto os resultados pessoalmente. Eu não conhecia os CEPACs nem os outros instrumentos usados em São Paulo. Isso coloca a cidade na vanguarda do urbanismo inovado”.

Os resultados em São Paulo não foram perfeitos, acrescentou Algoed, “mas é muito positivo ver que o governo local está tentando mitigar as consequências da especulação imobiliária desenfreada”.

Hiro Ito participou do curso movido pela curiosidade sobre mecanismos financeiros que possam ajudar as cidades a financiarem infraestruturas voltadas ao enfrentamento das mudanças climáticas. Ito é gerente de programa do Green City Action Plan do BERD, onde trabalha com governos municipais para identificar investimentos e políticas capazes de prepará-los para desafios ambientais e para as mudanças climáticas. “Já desenvolvemos planos de ação com 47 cidades”, disse Ito. “Mas muitas dessas ações, especialmente as relacionadas à natureza ou à adaptação climática, acabam não sendo implementadas”, muitas vezes por falta de financiamento.

“Soluções baseadas na natureza, proteção contra enchentes, mitigação do efeito de ilha de calor urbana, esses projetos, tradicionalmente, não geram receita”, explicou Ito. “Espero que esse tipo de ferramenta seja uma nova forma de fortalecer as finanças municipais para que cidades ao redor do mundo possam fazer muito mais nesses espaços”.

Durante uma caminhada que incluiu tanto o edifício Coliseu quanto a icônica ponte Octavio Frias de Oliveira, Ito ficou impressionado com a escala e o alcance dos investimentos da cidade e se perguntou se uma ferramenta de captura do valor da terra semelhante poderia funcionar em Ancara, na Turquia, onde o BERD está ajudando a financiar a construção de uma nova linha de metrô. Logo após a viagem, Ito e seus colegas começaram a estudar “como poderíamos, potencialmente, implementar um instrumento de financiamento baseado na terra para a Prefeitura Metropolitana de Ancar”, disse ele, já que há diversos terrenos públicos nas proximidades que poderiam ser desenvolvidos. “Será que poderíamos introduzir mecanismos como os CEPACs para arrecadar recursos a partir desse processo de reurbanização? No fim das contas, o objetivo é cobrir os custos das extensões do metrô, mas esses espaços de regeneração urbana também poderiam incorporar benefícios sociais e ambientais”.

Participantes da excursão de estudo do Lincoln Institute em São Paulo ouvem a líder comunitária do Coliseu, Rosana Maria dos Santos. Crédito: Lincoln Institute.

Ito valorizou o fato de os instrutores do curso, Sandroni e Maleronka, também terem apresentado as limitações, fragilidades e desafios da abordagem adotada em São Paulo. Ele reconhece que o sucesso de uma iniciativa semelhante depende de certas condições.

“Estamos testando isso na Turquia, porque a população urbana está crescendo, então há uma forte demanda por mais moradias e faz sentido para alguns incorporadores comprarem direitos adicionais”, disse Ito. “Mas nem todos os países em que o BERD atua têm essa mesma tendência demográfica”, ele acrescentou, observando que os mercados imobiliários de cidades menores da Bulgária ou da Romênia, por exemplo, podem não ser fortes o suficiente para sustentar um modelo de financiamento baseado na valorização da terra. “Mas gostamos muito da ideia de uma abordagem baseada no mercado para definir o preço… Acho que foi uma forma muito inteligente de aproveitar ao máximo o espaço”.

O que mais marcou Kecia Rust, fundadora e diretora executiva do Centre for Affordable Housing Finance in Africa, foi a ideia de que o direito de construir no espaço aéreo é um bem público.

“A abordagem geral que tornou possível o investimento no Coliseu e em outros projetos de habitação social, assim como a entrega da icônica ponte de São Paulo, do monotrilho, das vias, ciclovias e de outras obras públicas, é oriunda de uma filosofia fundamental de que o direito à propriedade privada pode se estender em termos de longitude e latitude, mas não em altura”, escreveu Rust em uma postagem no blog refletindo sobre o curso. “Os direitos de construir no espaço aéreo são um bem público, que o setor público vende para gerar receita e investir em obras públicas e habitação social”, continuou ela. “A cidade não precisa se endividar quando investe na construção de vias, pontes e moradias sociais”.

“Acho que o grande desafio que enfrentamos no contexto africano é que não temos, de fato, os dados nem a capacidade de gestão no nível das cidades locais para fazer algo da magnitude do que vimos sendo feito em São Paulo”, disse Rust. “Mas o que vi e compreendi foi muito inspirador”.

Vários membros da equipe do Lincoln Institute também participaram do curso. Muitos deles, fora da equipe da América Latina, nunca haviam tido a oportunidade de ver presencialmente esse importante exemplo global de captura do valor da terra. “Essa ideia de desenvolvimento sem deslocamento, de como proteger ou reduzir os riscos de remoção forçada quando se investe em comunidades, esse é um tema central em muito do que fazemos no instituto”, diz Enrique Silva, diretor de programas do Lincoln Institute. Silva fez questão de convidar integrantes de diferentes áreas da organização: “Essa ideia de aprender juntos, de compartilhar, aprender e trocar experiências, é algo que eu adoraria ver acontecer com mais frequência”.


Jon Gorey é redator da equipe do Lincoln Institute of Land Policy. 

Imagem principal: O conjunto habitacional social Coliseu, com 272 unidades, cercado pelos prédios mais altos do bairro Vila Olímpia em São Paulo, é um exemplo de captura do valor da terra. Crédito: Cidade de São Paulo.